Era o ano de 2004, e eu morando em São Paulo , para completar meus estudos na área de cirurgia Digestiva, num plantão, à noite , me deparei com um caso de uma paciente muito jovem, 19 anos, chamada Fernanda. Ela encontrava-se no setor de Emergência do Hospital , com fortes dores abdominais, e os exames revelavam a necessidade de realização de uma cirurgia de urgência, para resolver um processo agudo no seu intestino. Fernanda estava morando somente há 2 meses na capital , vinda de uma família do interior , da cidade de Penápolis, e , ainda num hotel , pois seu ciclo de amizades ainda estava sendo feito na faculdade de jornalismo que cursava e gostaria de se mudar para uma “república” de estudantes mas ainda não havia achado as pessoas certas. A acompanhava , uma colega de faculdade , recém conhecida também , e que não sabia muito sobre a vida da paciente.
Ao conversar sobre a necessidade de cirurgia com a paciente , vi que o medo tomou conta , queria saber se poderia esperar seus pais chegarem, e que naquele momento ainda os eles nem sabiam da gravidade da situação. Penápolis fica a cerca de 400km de São Paulo e não poderíamos aguardar! Percebendo essa situação , pedi que ela ligasse aos familiares e que me passasse o telefone para que eu pudesse esclarecer, mesmo que a distância, a necessidade da intervenção. Fernanda me olhou , de forma estranha( talvez um pouco de incredulidade mas ao mesmo tempo me pareceu mais confiante com a atitude!). Falei por um bom tempo com seus Pais , primeiro o pai , mais objetivo, querendo saber o que era e como se resolveria e qual o tempo de internação! Após a mãe , conversa muito mais emotiva , mas com uma religiosidade e uma confiança impressionantes, de que tudo ficaria bem, me abençoou e desejou que eu fizesse o meu melhor pela sua filha! E por fim , quando devolvi o telefone a Fernanda , pedi a ela que me contasse quais eram os seus medos naquele momento, e ela como todo paciente que passa inesperadamente por uma necessidade de cirurgia, começou a chorar: tenho medo de morrer! Sou muito jovem. Tenho medo de acordar sozinha , sem amparo após a anestesia e tenho medo de dor! Nesse momento , então decidi quebrar o protocolo, pois a situação exigia, verbalizei a ela passaria o restante da noite ao seu lado , mesmo após o término da cirurgia para que acordasse bem , se sentisse segura no ambiente pós operatório e se estivesse com alguma dor mais importante eu estaria ali para prontamente medicá-la e me comprometi também a ligar para seus pais para informar como as coisas estavam. Em meio a insegurança , surgiu um belo sorriso, ganhei um abraço da Fernanda, e , dessa forma , fomos para a cirurgia.
Tudo transcorreu muito bem , sucesso, fiquei ao seu lado até as 06hs da manhã daquele dia e segui minha rotina diária. Fernanda teve alta após 7 dias.
Na sua revisão , no consultório, Fernanda me presenteou com um Livro chamado “Trabalho Ordinário , Graça Extraordinária”. Após ter ido estudar em São Paulo, me cobrava muito por não participar ou não estimular mais minha parte religiosa e espiritual . De família católica , eu frequentava a igreja semanalmente , participava das missas ativamente usando um violão com mais alguns amigos , e aquilo tinha ido embora , e me fazia falta ! Mas, Fernanda me ensinou que podemos vivenciar a Religião e fortalecer a nossa espiritualidade através de atitudes do no nosso dia-a-dia , no nosso trabalho , usando os valores cristãos , exercitando a compaixão, estimulando a fé e a crença de que em tudo está sendo cuidado por Deus através de nós. A certeza disso nos conecta , nos deixa confiantes e nos conforta para seguir fazendo nosso trabalho ! Viver os afazeres diários dentro de uma doutrina de valores religiosos, transforma o ambiente e as pessoas . E, daquele dia em diante , tenho transformado, cada vez mais , meus dias de trabalho em vivenciar esse aprendizado! E o Retorno vem! Se o trabalho é ordinário a graça é extraordinária! Experimentem!